segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Matéria da IstoÉ: A vida depois do aborto

A mátéria da ISTOÉ de 29/07/2011 mostra como vivem as mulheres que abortaram legalmente em 2004, quando o procedimento foi permitido por alguns meses.
A reportagem mostra histórias de mulheres que decidiram se valer de uma liminar concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, que permitia que grávidas de anencéfalos fizessem aborto.  Ao todo foram cerca de 60 beneficiadas entre 1º de julho e 20 de outubro de 2004, período em que a decisão provisória vigorou. Ali começava uma batalha jurídica entre grupos de defesa dos direitos humanos e entidades de cunho religioso. Esse embate, no entanto, pode terminar em breve. Em agosto, o STF deve julgar uma ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que reivindica a legalização do aborto em casos de anencefalia.
“Obrigar uma mulher a passar meses, entre o diagnóstico e o parto, dormindo e acordando sabendo que não terá aquele filho, é impor a ela um imenso sofrimento inútil. Isso viola o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana”, afirma o advogado Luís Roberto Barroso, da CNTS. “É uma situação equiparável à tortura. Interromper ou não a gestação deve ser uma opção da mulher e de seu médico. O Estado, o Judiciário ou quem quer que seja não têm o direito de interferir nessa decisão.” Barroso fundamenta a ação em mais dois pilares. Primeiro, alega que a interrupção da gestação de um anencéfalo, tecnicamente, não pode ser considerada aborto porque o feto não é uma vida em potencial. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o que define a morte é a falta de atividade cerebral e, como o anencéfalo não tem cérebro, ele seria um natimorto. Um dos argumentos dos grupos contrários é que, caso a gestação chegue aos nove meses, os órgãos do bebê podem ser doados. Mas nem a OMS nem o Conselho Federal de Medicina recomendam a doação porque esses órgãos não são de boa qualidade.
A outra tese de Barroso é que a lei brasileira permite o aborto em duas ocasiões: se a gravidez é resultado de estupro ou se há riscos para a mãe. “Interromper a gestação de um feto anencefálico é menos do que nas duas situações já previstas pelo Código Penal, pois tanto no caso de estupro quanto no de riscos para a mãe, o feto tem potencialidade de vida”, relata o advogado.
“É uma bandeira desumana. A Igreja Católica explora esse caso para mistificar uma tragédia. Marcela não era anencéfala. Tinha merocrania”, garante o geneticista Thomaz Gollop, professor da Universidade de São Paulo e coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto. O médico explica que o que distingue esse quadro da anencefalia é a presença de um cérebro muito rudimentar – um pouco mais de massa encefálica, coberta por uma membrana. Isso faz com que o indivíduo sobreviva um pouco mais. Mas não faz com que tenha cérebro nem que interaja. “Quando a anencefalia é diagnosticada, não estamos discutindo a vida, mas a morte certa”, diz Gollop. “Tenho esperança de que, assim como em decisões recentes, o Supremo respeite a laicidade do Estado”.
Além de refutar a legitimidade do Supremo, justificando que a Corte tem se debruçado sobre questões que seriam de competência do Legislativo, a Associação questiona a postura do ministro Marco Aurélio. “Entramos com uma representação na Procuradoria-Geral da República alegando a suspeição do ministro. Anexamos reportagens em que ele manifestou opiniões favoráveis ao aborto”, declara Costa. Desde 1989, mulheres têm sido autorizadas pela Justiça a interromper a gestação de fetos anencéfalos. A diferença agora é que, se o Supremo acolher a proposta da CNTS, elas não precisarão mais recorrer aos tribunais e serão poupadas de meses de angústia aguardando uma sentença. Os hospitais públicos, assim como os planos de saúde, terão de lhes oferecer a assistência necessária.
A IstoÉ também entrevistou o Dr. Thomaz Gollop sobre o disgnóstico de anencefalia: Veja abaixo as perguntas e respostas da entrevista:
O diagnóstico da anencefalia, por meio de ultrassom, é seguro?
Thomaz Gollop – É 100% seguro. Pelo menos 10 mil brasileiras conseguiram autorização judicial para interromper a gestação de fetos anencéfalos. A primeira autorização foi dada em 1989. Mas se o STF aprovar a interrupção da gravidez nesses casos, a mulher que optar por isso não terá mais de recorrer aos tribunais e sua decisão não será revestida de culpa, pois ela não estará fazendo nada ilegal. Obrigar uma mulher a manter uma gravidez de um feto inviável é submetê-la à tortura.
Como outros países tratam a questão da anencefalia?
Gollop – O aborto é livre em quase todos os países desenvolvidos. A discussão sobre a interrupção da gestação de fetos anencefálicos, em separado, é uma originalidade brasileira porque aqui esse debate é muito complicado por causa de questões religiosas.
A falta de atividade cerebral de um anencéfalo pode ser comparada à morte encefálica de um adulto? 
Gollop – Pode sim. Desde os anos 60, a doação de órgãos de indivíduos com morte cerebral é permitida. Quem não tem cérebro, como é o caso do anencéfalo, é um natimorto. Estamos, portanto, discutindo novamente a morte. E não a vida. É por isso que costumamos falar em antecipação do parto, e não em aborto.

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